A praxe, só para quem quer

Licenciei-me em Coimbra, nos anos 2000. Nos anos 90, da minha chegada à cidade, havia, ainda, trupes. Grupos de “doutores” que alimentavam o folclore associado à vida estudantil. Um dos rituais da trupe era “rapar caloiros”, depois das meia noite. Um recolher obrigatório na cidade a uma faixa social, imposto por policiamento obviamente ilegal. Grupos, trupes, de 4 ou 5 pessoas bebiam uns copos e cirandavam algumas das ruas da cidade a policiar os caloiros. Perguntavam o estatuto de quem viam e se um caloiro fosse apanhado depois da meia noite, tinha como castigo a perda de cabelo. Obviamente um acordo implicito de trupes e caloiros, que se submetiam pelo valor simbólico. Todos sabiam que em qualquer momento qualquer pessoa podia declarar “não apoiar” “a praxe” e dessa forma seguir a sua vida da sua intenção, à meia noite ou ao meio dia.

Depois surgiram os telemóveis e as ameaças vácuas de “violência” das trupes para os infratores tornaram-se vácuas, pois passou a ser possivel pedir ajuda no imediato, pedir intervenção policial no momento e demonstrar a vacuidade das ameaças e a vacuidade do poder e legitimidade de impor a sua lei. As trupes esfumaram-se da cidade, o poder de medo e chantagem foi-se.

Isto a respeito do pseudo recolher obrigatório imposto inconstitucionalmente. Não passam de trupes de cães de fila a impor o seu poder vácuo. Ainda não perceberam que a internet hoje está nos mesmos telemóveis, que a cada ação há reação e serão escrutinados no seu poder, terão de responder no banco dos réus pelas “rapadelas” que tentem impor aos pobres “caloiros” hoje cidadãos. Só que há muitos que não alinham “na nova praxe”, que se afirmarão livres perante a prepotência vácua. Estas trupes não perceberam que a cada ameaça de rapadela, a cada retirada de crianças a mães, cada espacamento por causa de uma máscara, estão apenas a demonstrar num video, num relato, numa sociedade a sua iligitimadade servil, a sua inutilidade social, a sua existência para servir o poder. Enquanto não perceberem que juraram servir o povo e os seus direitos, cavam apenas a sepultura do seu repouso e do poder podre que servem.

Como as trupes tornarar-se-ão apontamentos de tempos que a coação era ferramenta de poder.

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