Entrevista a José Poças director de infecciologia do Hospital Setúbal

May be an image of 1 person and text that says "SOCIEDADE fevereiro 2021 José Poças: "Estamos a tratar dos doentes de forma indigna" diretor do Serviço de Infecciologia do Centro Hospitalar de Setúbal ex-coordenador da Comissão de Crise da Covid 19 nesta unidade confessa nesta entrevista que há muita gente a a morrer nos hospitais sem que os médicos tenham tempo ou meios para os acudir."
Extracto de entrevista, onde fica clarissimo que a morte por doenças respiratórias sazonais faz parte da vida. Que não é o virus que mata mais, são as regras estúpidas que destroem tudo, o medo, a necessidade de não ser acusado de negacionismo ou de “matar”. Classes de profissionais que negam o seu dever. Os hospitais não tem tempo nem meios porque estão a exigir que pessoas sem esperança de vida sejam “salvas” que seja negado o papel do anjo da misericórdia chamado gripe.
SOL: Nesse cenário, sem tempo e sem meios, há doentes que morrem?
A opção de se trocar uma vida por outra sempre se fez, só que agora acontece de uma forma mais concentrada. Quem disser o contrário é porque não trabalhou em certos sítios. Eu trabalhei três anos em cuidados intensivos, já reanimei 103 pessoas, já fui chefe de equipa e diretor da urgência durante 30 anos. Sei por experiência própria o que estou a dizer. O que aconteceu com aquele doente, a quem eu acabei por arranjar uma vaga na enfermaria, foi motivado pela conjunção da pressão e da oportunidade, o que é quase uma roleta russa. Podia haver ali gente em pior estado, mas não há tempo para ponderar. Portanto, os doentes que escapam à morte, neste sentido, já estão a ser escolhidos. Mas mais vale fazer, do que não fazer nada. Aliás, quando terminei o turno deixei lá várias pessoas que considero que o crime foi terem-nas levado para o hospital.
SOL: O que quer dizer com isso?
O que mais me choca é receber doentes que chegam ao hospital apenas para que se reconheça o seu óbito. Porque há idosos nos lares, pessoas com 90 e tal anos, acamadas, com escaras, que entram em paragem cardíaca, mas como ainda estão vivas e não se sabe se são covid ou não, em vez de as deixarem sossegadinhas nas suas camas, ligam para a linha SNS 24. As decisões de quem lá está, são cegas. Como ninguém se quer responsabilizar e acham que se deve dar o benefício da dúvida, em vez de deixarem estes idosos sossegadinhos nas suas camas, mandam-nos para o hospital, com indicação para reanimação. Isto aconteceu-me há dois dias, por duas vezes. Vieram com os bombeiros, que têm alguns conhecimentos em reanimação e tentaram tudo para os manter vivos, e chegaram agonizantes. É evidente que eu mandei logo suspender as manobras cardiorrespiratórias. Começar já é um crime.
SOL: E quem é que devia de assumir essa responsabilidade?
A morte é um tema que deve ser discutido entre o médico e o doente. Nestes casos, se os familiares fossem informados, pelo médico de família ou do lar, sobre o verdadeiro estado daqueles utentes e do sofrimento suplementar que se lhes está a infligir, seriam eles a decidir. A minha mãe está num lar, ainda se mexe e come pela própria mão. Mas já deixou a sua vontade escrita de que não quer ser reanimada. Por isso, no lar, toda a gente sabe que, se lhe acontecer alguma coisa, chamam-me, que eu passo o certificado de óbito.
SOL: E se isso acontecer no hospital qual é o procedimento?
É feito pelo médico assistente. E, se ele tiver dúvidas, fala com o diretor de serviço ou com a Comissão de Ética. E é obrigatório que se coloque no processo clínico do doente se ele tinha ou não indicações para a reanimação cardiorrespiratória. Alguém me consegue explicar qual é a dignidade de uma pessoa vir em dificuldade respiratória, a morrer, ao frio, numa maca, para o hospital?
SOL: São casos que acontecem mais nesta situação de pandemia?
Agora, até os cadáveres são enviados para o hospital. No meu último turno, tive de fazer a admissão administrativa de dois cadáveres. Isto é muito pesado para um médico. É o procedimento normal de um doente que ali morre. Pede-se a zaragatoa, para ver se está covid ou não. Depois, dá-se alta e a seguir o certificado de óbito. Isto porque uma pessoa não pode ser enterrada sem se saber se é positivo ou negativo. Está-se a complexificar o processo. Antes, era o médico de família ou o delegado de saúde que tratavam disso. É tempo que um médico perde enquanto há quem precise da sua ajuda para viver.
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